"Eight days a week" traz surpresas emocionantes por FELIPE LENHART

Foto: Studiocanal GmbH,Apple Corps Ltd / Divulgação
Poucas bandas têm obra e legado tão protegidos e controlados como os Beatles. Sua discografia só foi disponibilizada para venda no iTunes no segundo semestre de 2010, e para streaming, em dezembro de 2015. Nas duas oportunidades, e em poucos dias, os álbuns se tornaram os mais vendidos e os mais ouvidos nas plataformas digitais. Antes disso, para citar exemplos do tipo de negócio que Paul, Ringo, Yoko Ono e familiares de George Harrison fazem à frente da Apple Corps, a gravadora EMI remasterizou todos os discos de estúdio da banda, em 2009, e George Martin e seu filho Giles, guardiões das gravações originais, foram escolhidos por eles para fazer a curadoria da trilha do espetáculo "Love", do Cirque du Soleil, em 2006.
Mas a faceta mais vigiada dos Beatles é mesmo a narrativa da sua história, trombeteada em uma biografia autorizada lançada pelo jornalista inglês Hunter Davies em 1968 e reafirmada com pompa e exagero no megaprojeto "Anthology", de 1995, que rendeu um longuíssimo especial para a televisão (quatro DVDs!), três discos duplos e um livro fotográfico. Neste sentido, o documentário "Eight days a week", que estreou semana passada no Brasil, reafirma o que os próprios Beatles já disseram ou deixaram que dissessem sobre eles, mas traz surpresas emocionantes até para os fãs mais escolados em beatlemania.
Dirigido por Ron Howard, vencedor do Oscar de melhor filme e melhor diretor em 2002 por "Uma mente brilhante", o longa é focado num período que vai de 1963, quando os Beatles tocam na Escócia e no País de Gales já com Ringo na bateria, até 1966, quando chegam engolfados por um turbilhão de fama e sucesso ao Japão e às longínquas e hostis Filipinas. O cerne da narrativa é aquele que todo fã conhece: a irmandade de quatro garotos muitíssimo bem-humorados e talentosos é vencida pela histeria crescente dos fãs em bares, teatros, aeroportos, ginásios, avenidas e estádios. Irritados consigo e com o mundo, desistem de tocar ao vivo e dedicam seu tempo juntos à composição, à experimentação e à gravação de discos antológicos.
Acontece que para contar mais uma vez essa história Howard tem à disposição um arquivo audiovisual sem fim e sem preço dos Beatles, o que lhe autoriza a dizer no trailer que conta uma história que o espectador não conhece. Ele nos põe diante de um jovem John Lennon se apresentando como "Erik" a um repórter ao vivo na festa oferecida à banda em uma embaixada britânica nos EUA, em 1964. Ou trechos divertidos de algumas das muitas entrevistas que os quatro músicos deram para jornalistas de todo o mundo. Ou ainda o relato de pessoas que na época já suspeitavam da grandeza colossal de tudo o que estavam vendo acontecer com os Beatles e ao redor deles.
Mas sem dúvida é à dramática questão racial no Sul dos EUA que o documentário reserva as intervenções mais impressionantes e bonitas do filme. É uma preciosidade, por exemplo, o depoimento da atriz Whoppi Goldberg sobre a simpatia à primeira vista que sentira pelos Beatles e a sua insuspeitada ida ao lendário show no Shea Stadium, em Nova York, em 1965. E é antes de tudo inédita a gravação de Paul McCartney dizendo a um repórter americano que os Beatles não tocariam dali a semanas em Jacksonville, na Florida, se o show tivesse plateia segregada, como estava querendo o gerente branco do ginásio em que tocariam na cidade. O relato da historiadora negra Kitty Olsen, do Sul da Florida, se divertindo no show rodeada por brancos pela primeira vez é marcante.
Em uma cena de arquivo, uma garota aos prantos em meio a centenas de outras garotas agitadas dizia a um repórter no meio da rua que ela amava os Beatles e que quando tivesse 105 anos de idade continuaria amando. Howard fez o filme para ela também, para nossa sorte.

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